(Marco Túlio Costa)
Ele era um vaso chinês. Dizem que
tinha gerações de história e por isso o reverenciavam. E a reverência dava-lhe
um pedestal de orgulho, de forma que guardava em si mesmo suas palavras, pois
fazia conta de que fossem de grande valor.
Era um vaso chinês, mas era
vazio. Não o enchiam com água para depositar nele rosas e outras coisas
efêmeras.
Certo dia, ele conheceu a
bailarina da caixa de música e encantou-se pelos seus movimentos graciosos. Mas
ela não fez caso daquele amor.
__ Ah! Não posso amar-te. Veja
como sou livre e posso dançar? Somos tão diferentes. Não sei que seria de mim
se me fosse reservado um pedestal, como esse em que te prendes.
Invejo-te, eu confesso.
Depositaria em tuas mãos todo o meu passado, para que tu o atirasses para o
alto como pó inútil, como se isso me tornasse alguém digno de ti, se isso fosse
mágica que me transformasse num par com leveza e graça para acompanhar-te numa
música eterna.
E o vaso chinês continuava cada
vez mais vazio. As palavras que guardara como se fossem tesouro escapavam dele,
mas sequer conseguiam chegar ao coração se sua amada, desvanecendo-se na
distância entre o pedestal e a estante onde ela morava.
Certa noite, o vaso acordou de
seu sono de porcelana. Pensara ter ouvido
a doce melodia da caixinha de música. Logo percebeu que ela estava
fechada em seu lugar e que a música era apenas o eco da paixão que, daquele dia
em diante, passou a atormentar suas madrugadas.
Um dia, o destino, que tem mãos
descuidadas de crianças, excedeu-se ao dar corda à caixinha, de modo que a mola
da engrenagem quebrou.
Lamentou-se a bailarina de seu
triste fado. A pista de espelho tornou-se um pedestal de gelo, que refletia sua
imagem inerte e triste. De longe, também o vaso chinês se condoia com o
desamparo de sua amada.
__ Ah, minha pobre bailarina.
Lamentava-me de não ser livre como tu eras, mas hoje vejo-te presa a uma
inocente criança. E eu, que me imaginava o mais inerte dos seres, sou de fato
mais livre, pelo amor que sinto e que dá sentido à minha vida!
__ Creio na sinceridade desse
amor. Mas que posso eu fazer para corresponder-te? Tu me amavas pelo que eu
era, mas que sou agora?
__Amo-te com a mesma intensidade.
__ Como podes contentar-te com
tão pouco? Apenas olhar-me?
__Se tudo que posso é olhar-te,
então o que mais desejo. Mas tenho em mim guardada a fonte de tua felicidade e
sei, como sei que te amo, que um dia depositarei em tuas mãos não o meu passado
mas, aquele tempo que nos foi reservado e que virá.
__ Chegou o dia em que as mãos
infantis tentaram novamente acionar a caixinha de música. Irritada com o mecanismo que não mais
funcionava, agarraram a pequena bailarina e a atiraram a esmo. E ela foi cair
justamente dentro do vaso chinês. Onde um baile acontece todas as madrugadas e
dois corações agora dançam.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comente. Sua opinião é muito importante para o desenvolvimento do Blog.