O Blog Poetiza o Amor eleva-se, agora, a um outro nível.
Além de poemas e citações disponibilizará, também resenhas de livros.
Como uma amante da literatura não poderia deixar de expressar minhas sensações diletantes...
Portanto, inicio com o melhor livro que já li: "O Retrato de Dorian Gray", do excêntrico Oscar Wilde. Tive a oportunidade de "devora-lo" sobre várias traduções e de várias editoras. Como se já não fosse o suficiente, tornou-se o tema de minha monografia.
O primeiro capítulo nos prepara para a narrativa, com o desenvolvimento da caracterização da personagem, o complexo Dorian Gray. Dorian é este tipo de personagem, pois é dotado de mudanças de comportamento. Sua personalidade foi-se desenvolvendo com decorrer da narrativa: “… um moço muito sério e de boa índole” (p. 21); foi influenciado pelas filosofias de Lorde Henry: “[Dorian] - Você me comunicou um desejo frenético de conhecer a fundo a vida” (p. 55); com esta intervenção começou a praticar atos inescrupulosos e depravados: “… como se houvesse um laivo de crueldade nos lábios […] como se ele se estivesse vendo em um espelho, depois de praticar uma ação terrível” (p. 96); “… escondia em si uma corrupção pior do que a decomposição da morte” (p. 125); porém, na aparência, “Dorian conservava o seu ar de adolescente puro, não maculado pelas torpezas do mundo” (p. 134). Por fim, busca a reconciliação com seus pecados: “[Dorian] – É porque eu quero ser bom” (p. 211).
O moço de boa
índole, como afirmava Basil Hallward, passou de anjo à personificação da
maldade. No início da narrativa a personagem ora questiona Henry ora aceita
seus conselhos e influência.
O desejo de
Dorian Gray é alcançar a eterna beleza e juventude, fazendo destas o seu
objetivo, alvo, não importando o que fosse necessário para alcançar: “Se eu pudesse ser sempre moço, se o quadro envelhecesse!… Por
isso, por esse milagre eu daria tudo! […] Daria até a alma!” (RDG, p. 33-34). Assim, o pacto com o Diabo é estabelecido e a trama se inicia.
Uma personagem importantíssima na obra é Lorde Henry Wotton, aristocrata coberto de hedonismo e hipocrisia, que a todo o momento o rodeia com suas concepções a respeito de beleza e juventude: “[…] o senhor é um prodígio da mocidade, e a mocidade tem valor. […] A beleza tem o direito divino da soberania, […] é a maravilha das maravilhas. […] Procure sempre sensações novas. Não tema nada […]” (p. 29-30). “Com sua beleza, não há nada a que você não possa aspirar” (p. 110). “Lorde Henry tinha consciência de que […] o rapaz era em ampla medida criação sua. Ele o tornara precoce” (p. 64).
A consciência
de Dorian, vez por outra, o cerca tentando fazer com que não cometa erros:
“Dorian percebia enfim o seu egoísmo e a sua maldade” (p. 98). “Sabia que
maculara a sua alma, que enchera a mente de torpezas, que alimentara com
horrores a imaginação” (p. 213).
O mais
intrigante no livro é que o que impulsiona Dorian a agir, apresenta-se como tal
o próprio Retrato, onde: “a razão pouco importava. (…) Se o retrato tinha de
mudar, mudasse! (…) Teria verdadeiro prazer em observá-lo. Através dele,
penetraria no âmago do seu ‘eu’ (…) seria para ele o mais mágicos dos espelhos.
(…) Assim lhe mostraria sua alma (…) tornando intacto seu corpo” (p. 113).
“E o Retrato continuava a observá-lo, com o belo rosto deturpado e o sorriso
cruel” (p. 98).
Pode-se
comparar Dorian ao Narciso* da mitologia greco-romana. O termo narcisismo
indica amor pela própria imagem, que foi o que levou Dorian fazer um pedido
absurdo insinuando vender sua alma em troca da permanente juventude e beleza,
enquanto o Retrato sofreria as alterações do tempo e dos vícios pecaminosos. Ao
fazer uma comparação com o mito de Narciso, tem-se o Retrato como a água, que
revelou ao ser original a sua perfeição: “A noção da sua beleza dominava-o como
uma revelação. Nunca a tivera antes dessa honra” (p. 33). Dorian, como Narciso, acabou por encantar-se
por si mesmo: “Passara manhãs inteiras, sentado defronte do quadro,
admirando-lhe a beleza, quase apaixonado por ele” (p. 112). Como o protagonista
da lenda, nosso herói acaba que por suicidando-se, mesmo que sua real intenção
não fosse a sua morte, mas sim destruir aquilo que havia destruído sua vida, o
Retrato:
“Mataria o
quadro e tudo o que este significava. E ele estaria livre, livre dessa tela
monstruosa, dotada de alma, livre das suas admoestações hediondas. Viveria
finalmente em paz. Empunhou, pois, a faca e trespassou o retrato. […] Os
criados, ao entrar na sala, viram na parede o magnífico retrato do amo como o
tinham conhecido […] e no chão, jazia o cadáver de um homem em traje de rigor,
com uma faca cravada no peito. Ele estava lívido, enrugado e repugnante. Só
pelos anéis é que os seus criados conseguiram identificá-lo” (p. 216-217).
Sobre as
influências que levaram Dorian a se perverter, vale destacar o livro enviado
por Henry, que envenenou Dorian. Livro este que narrava a história de um jovem
parisiense que realizaria todas as paixões de cada século menos do próprio.
Fascinou Dorian de tal maneira que leu não menos que nove exemplares da
narrativa. “… convencia-o de que nunca tivera nas mãos obra tão singular. Era
como se os pecados do mundo desfilassem diante dele” (p. 130).
De acordo com
minhas leituras, percebi que Wilde usou da personagem Lorde Henry para expor ao
público suas concepções a respeito da sociedade de sua época. Com o intuito de
tentar barrar as possíveis críticas, ele escreve seu prefácio sobre a arte,
afirmando “Os que só veem intenções vis nas coisas belas são depravados
destituídos de encanto. É um defeito” (p. 7). Wilde utiliza Henry para
criticar o meio em que se encontra. Das inúmeras passagens, destaca-se: “De
todos os povos do mundo, o inglês é o menos dotado para captar a beleza da
literatura” (p. 50).
Sobre a obra O Retrato de Dorian Gray, pode-se dizer que foi intencionalmente construída para criticar os atos da
sociedade quanto à beleza, poder, preconceito, aristocracia, entre tantos
outros. Esse é um livro que vale a pena lido, comentado,
analisado e divulgado.
Terezinha Soares
REFERÊNCIA:
WILDE, Oscar.
O Retrato de Dorian Gray. Tradução de Marina Guaspari. Rio de Janeiro: Ediouro,
1998.
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*
Na mitologia greco-romana, era um herói do território de Téspias, famoso pela
sua beleza e orgulho. Era filho do deus-rio Cefiso e da ninfa Liríope. No dia
do seu nascimento, o adivinho Tirésias vaticinou que Narciso teria vida longa
desde que jamais contemplasse a própria figura. Para dar uma lição ao rapaz, a
deusa Némesis condenou-o a apaixonar-se pelo seu próprio reflexo na lagoa de
Eco. Encantado pela sua própria beleza, Narciso deitou-se no banco do rio e
definhou, suicidando-se por sua beleza.
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